sexta-feira, 20 de maio de 2011

Como sou?


       Acabei de ler um livro, de Clarice Lispector, estranhamente seus livros me causam um sentimento que não sei classificar, apenas sinto. Isso acaba intensificando minhas perguntas. É estranho. Hoje não estou bem. Há alguns anos que sinto ausências. Acho que sempre senti, na verdade. Essas ausências me causam vazios. E odeio quando me dizem que esse vazio somente Deus pode preencher. Deus já preenche muita coisa em mim, seria ótimo se  ele ocupasse todas as partes daqui, mas não é bem assim que funciono. Não que a coisa em mim funcione de uma forma errada, só é da minha forma, só é a minha forma. Sinto ausências e isto não significa distância de Deus. A vida cristã me agrada, mas como todas as outras maneiras de se viver: me incomoda às vezes. Acredito. Acredito no cristianismo e decidi seguir essa linha, mas estou cansado. Voltando ao assunto do início a tristeza implícita na obra de Lispector sempre me chamou atenção, acho que eu me sentia consolado, pode ser pelo fato de eu sempre me sentir diferente dos outros. Não só por comportamento, mas por sentimento de vida mesmo, há um trecho de um livro dela que diz: “Sou feliz na hora errada, choro enquanto todos dançam...”, tudo bem, não acho que eu seja infeliz, nem que sinta felicidade quando não deveria, até porque eu que tenho que saber quando devo ou não senti-la, quero dizer que não me considero triste, só que de vez em quando me sinto desambientado aqui. Aqui, no meio das pessoas (devo procurar os animais então? R’s..), até mesmo entre pessoas queridas. Para começar, durante a infância eu não era aceito por conta do meu comportamento. Eu não sou bruto, não sou apenas músculo. Não sei, mas parece que o pensamento da massa é que a ausência de rispidez e brutalidade significa que você deveria ter uma vagina ao invés de um pênis. Acho que , talvez,  a ausência que me é ratificada com a leitura deveria estar aqui mesmo, e quem sabe deva continuar. O mais interessante é que só noto através da leitura mesmo. Acho que “ler devia ser proibido”, r’s., a leitura abre caminhos, além disso, funciona como um despertador, te alertando que algo está acontecendo. Por um tempo me martirizei por sentir isso, mas hoje aceito. Aceito sentir essa coisa estranha que me torna estranho. Mas só aceito a classificação “estranho” por opção. “Existe” uma espécie de peixe chamada Celacanto. Os celacantos não existem mais, acreditam. É uma espécie rara, pré-histórica. Em 1997 um pescador encontrou um. Fato inédito naquele século. Eles viviam em águas profundas e escuras. Na época em que eu trabalhava com enfermagem, um paciente me disse que as pessoas muito inteligentes, pelo menos a maior parte delas, podem ter problemas emocionais, psíquicos. Existem cristãos muito próximos de Deus , eles demonstram uma sensibilidade maior, sentem mais, sofrem mais, é como um sofrimento emocional psíquico mesmo. Cheio de ousadia classifico-as como “pessoas com “problemas psíquicos mais abstratos”“.
       Geralmente, as fontes ficam no alto. No alto faz frio. Mas quem disse que precisa levar casaco? O frio , pode, ser uma estratégia de Deus. A fonte é de água quente.Quanto mais frio você sentir, mais você se aproximará do calor das águas. Quem leva casaco fica confortável, não se aproxima mais.Eu sinto esse frio (ausência citada no início do parágrafo anterior) porque estou sem casaco. As pessoas com "problemas psíquicos mais abstratos" costumam se aproximar mais das águas. Encaro como estratégia. Se sinto frio, passo por dificuldade, também é porque posso me aproximar mais da água e não ficar sentindo apenas o vapor que vem dela. Chega uma hora que o vapor não esquenta mais, ou melhor, eu não me sinto mais aquecido por ele. Chega outro momento em que simplesmente estar mais próximo da água é pouco. É necessário mergulhar nela. Estou tentando mergulhar. Está fazendo muito frio onde estou.E sempre faz.Chega outro momento em que é necessário ir para o fundo do rio, da fonte no caso. Acho que Deus quer que eu vá para lá. Por isso a presença constante do frio (ausência). Os celacantos só vivem nas águas profundas. Sou um. “O frio , pode, ser uma estratégia de Deus.” Preciso aprender a conviver comigo. Enquanto isso “o dia corre lá fora à toa, há abismos de silêncio em mim”.
       A vida social é complexa. Dentro do cristianismo ou em qualquer outro lugar. A aceitação própria é complicada da mesma forma para alguns. Aceito-me. Sou estranho, sou esquisito, mas isso não significa ausência de Deus. Pelo contrário: sinto-lhe muito! E outra: estou no mar, de vez em quando umas ondas pesadas de mágoas me cobrem. O bom de estar no mar é que as ondulações são passageiras. Admito: às vezes outras grandes aparecem seguidamente e é de certa forma desconfortável, mas nem por isso eu deixo de entrar nele (no mar). O confortante é que com freqüência este mar que é minha vida está sem ondas tão pesadas, consigo descansar e flutuar, gosto da calmaria, mas sinto falta das ressacas de vez em quando, elas me ensinam a nadar, a sobreviver, queimam meus navios para que eu me supere. Eu gosto do lirismo do oceano, não é pesado, mesmo que a inconstância da calmaria das ondas seja frequente. Gosto do zig-zag entre decadência e elegância, morte e sobrevivência. Eu sou isso. Eu sou assim. Assim sou eu. Não precisa me dizer quem é você. Digo quem sou e isso basta. Eu? Eu sou eu. Por hoje escolho apenas tirar a máscara do meu rosto. O problema não é agir hipocritamenteinconseqüente ou absurdo, o importante é que eu seja assim: como sou. Sou estranho. Muito estranho!


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